quinta-feira, 7 de agosto de 2008

capítulo I (parte 1)


Era véspera de natal e eu circulava entediada pela sacada do meu apartamento.

A brasa do cigarro estava quase queimando meu dedo, mas eu estava destraída demais para notar. Eu observava as janelas do prédio vizinho ao meu, com o binóculo dava pra ver as famílias reunidas ao redor das mesas, cada uma mais farta que a outra. É o que dá pra ver em um prédio localizado em um bairro nobre, ocupado por famílias de desembargadores e deputados. Nunca senti-me muito bem com o "espírito de natal", como para muitas pessoas, ele me causa uma certa monotonia e depressão, mas eu sabia que estava sozinha porque queria, e que em algumas horas isto teria mudado. Minha namorada sempre passava as primeiras horas do natal com a família, e só depois, podiamos sair pra algum lugar. Já era o segundo natal que passaríamos juntas e eu me perguntava até que ponto isso fazia sentido. Fôra um ano de muitas idas e voltas, em que brigamos por diferenças, comentários grosseiros e uma traição de ambas as partes.

Relacionamentos homosexuais são mais complicados, eu sei, mas por sua vez acabam sendo muito mais intensos e nos magoam muito mais, sempre. Não sei também até que ponto vale a pena amar tão intensamente assim, mas eu já cansei de refletir sobre este assunto e cansei de me imaginar com um marido dedicado e filhos perfeitos, cansei de utopia, isso é muito demodé.

Enquanto eu refletia sobre o quão tristes as crianças filhas de pais bem menos favorecidos financeiramente do que meus vizinhos ficariam ao, após aguardarem o "Papai Noel" a noite inteira do dia 24 de Dezembro, a árvore de natal barata e mal decorada de suas casas amanhecesse com brinquedos baratos no lugar dos que eles desejavam aos seus pés, meu celular tocou em cima da mesinha de centro da sala. Minha namorada havia conseguido escapar da mãe mais cedo este ano, então eu já poderia apanhá-la para sairmos pro nosso natal "privê". Foi então, enquanto combinávamos o horário mais apropriado pra que a mãe dela não visse meu carro na porta e não tentasse vir me dar recomendações do tipo "se você sabe levar minha filha daqui, saiba trazê-la de volta, lembre-se disso!" E eu: "tudo bem, feliz natal pra senhora também", notei algo curioso no prédio que eu observava desde o início.

Ela parecia triste, ou talvez não, talvez estivesse sozinha apenas, sozinha e com a mesma monotonia que eu estava sentindo naquela noite. Era bonita, uns dezenove anos, eu diria, no máximo. Folheava albuns em cima da cama e com certeza nem imaginava que naquele momento, as lentes de meu binóculo a focavam.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindoooo, emocionantee

adoreii